O que é mais grave no mundo dos concursos: matar alguém queimado ou ter uma tatuagem ofensiva?

No último fim de semana, tive um debate interessante com uma professora da minha pós-graduação (Direito Público), Dra. Noêmia Porto, juíza do trabalho e vice-presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). Falamos, dentre outros assuntos, da restrição ao acesso a cargos públicos.

A partir daí, discutimos sobre situações que repercutiram muito no mundo dos concursos, e duas tomaram significativo destaque no debate: o candidato impedido de tomar posse em cargo público por ter tatuagens e um dos assassinos do índio Galdino, que ocupa, hoje, o cargo de Policial Rodoviário Federal.

Para quem não sabe, Gutemberg Nader Almeida Júnior foi um dos autores do crime bárbaro que chocou o país, em 1997 (à época, ele tinha 17 anos). Longe de querer fazer sensacionalismo com o caso, vamos falar das especificidades do caso.

Após várias ações judiciais, o plenário do STF julgou inconstitucional (RE 898450) a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público estabelecida em leis e editais de concurso público.

O relator do RE, ministro Luiz Fux, observou que a criação de barreiras arbitrárias para impedir o acesso de candidatos a cargos públicos fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade.

Para o ministro Fux, o respeito à democracia não se dá apenas na realização de eleições livres, mas também quando se permite aos cidadãos se manifestarem da forma que quiserem, desde que isso não represente ofensa direta a grupos ou princípios e valores éticos.

Fux destacou que o Estado não pode querer representar o papel de adversário da liberdade de expressão, impedindo que candidatos em concurso ostentem tatuagens ou marcas corporais que demonstrem simpatia por ideais que não sejam ofensivos aos preceitos e valores protegidos pela Constituição Federal. “A máxima de que cada um é feliz à sua maneira deve ser preservada pelo Estado”, ressaltou o ministro.(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=323174)

Particularmente, entendo que a decisão do STF foi perfeita. Mas, percebam que o STF ponderou que candidatos com tatuagens que ofendam os preceitos e valores protegidos pela Constituição Federal podem, sim, ter o acesso a cargo público negado.

Até aí, ok, também concordo com a posição da Suprema Corte. Agora, vamos fazer um comparativo:

Cidadão 1 – Pessoa que nunca cometeu qualquer crime ou ato infracional, porém, tatuou o símbolo do nazismo em seu braço. Vamos supor que este cidadão venha a lograr êxito em um concurso público para a Polícia Rodoviária Federal. Ele pode ter sua nomeação/posse barrada? Segundo o entendimento do STF, sim! O fato da tatuagem do nazismo ir de encontro a preceitos constitucionais é fundamento válido para impedir que esse cidadão assuma o cargo público para o qual passou.

Cidadão 2 – Gutemberg Nader Almeida Júnior, um dos responsáveis por queimar, vivo, o índio Galdino, em 1997. Cumpriu sua pena e passou nos concursos para Agente de Polícia Civil do DF e Policial Rodoviário Federal. Ele pode assumir cargo público?

Quanto ao primeiro cargo (PC-DF), Gutemberg não conseguiu assumir o cargo. Na avaliação de vida pregressa ele foi reprovado. Tentou entrar com recurso junto ao Tribunal de Justiça do DF, mas o Tribunal manteve a decisão do órgão. Recorreu ao STJ e perdeu, novamente.

Já no concurso da PRF ele não teve esse problema. Passou e assumiu o posto de Policial Rodoviário Federal.

Juridicamente falando, não tenho dúvidas que Gutemberg pode assumir o cargo público de Policial Rodoviário Federal, e até mesmo o de agente da Polícia Civil do DF (o qual foi reprovado na avaliação de vida pregressa), afinal, ele já cumpriu a pena do crime que cometeu.

Contudo, moralmente falando, entendo que Gutemberg não poderia assumir um cargo de policial. Poderia assumir outros cargos, mas não o de policial, afinal, a Administração Pública deve seguir alguns princípios básicos na execução de suas atribuições, e um deles é o Princípio da Moralidade, que exige respeito a padrões éticos, de boa-fé, decoro, lealdade, honestidade e probidade na prática diária da boa administração.

Ora, se um sujeito tem uma tatuagem ofensiva, que vai contra os valores defendidos em nossa Constituição, ele é impedido de tomar posse em cargo público, agora, outro que cometeu um crime contra a vida, e com a agravante de queimar uma pessoa viva, dormindo, pode virar um policial, que defende a sociedade?

Concordo que não existe pena perpétua no Brasil e que Gutemberg tem direito a se ressocializar na vida em sociedade. Também concordo que todo cidadão tem o direito ao esquecimento (tema dado repercussão geral pelo STF), mas vejo uma grande afronta ao princípio moral da Administração Pública admitir que uma pessoa que cometeu um crime como esse ocupe um cargo na polícia, independentemente de qual polícia seja.

Falando de maneira fria, você não pode se tornar um policial dependendo do tipo de tatuagem que tenha feito em seu corpo, mesmo que seja um bom cidadão e nunca tenha cometido qualquer crime; mas, pode se tornar policial se já tiver cometido um crime grave e cumprido sua pena.

Isso é, no mínimo, desproporcional!

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